A obesidade é uma doença crônica, de caráter recorrente, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Sua associação com uma ampla gama de complicações de saúde e redução da expectativa de vida a torna um dos principais desafios da medicina moderna. Apesar de sua gravidade, a obesidade frequentemente é estigmatizada e mal interpretada como resultado exclusivo de “escolhas de estilo de vida”, uma visão que desconsidera sua fisiopatologia complexa e os inúmeros fatores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais que contribuem para sua origem e manutenção.
Essa visão equivocada não apenas reforça o preconceito contra pessoas com obesidade, mas também ignora o curso progressivo da doença, as dificuldades no tratamento e as elevadas taxas de insucesso terapêutico. A resistência biológica à perda de peso, conhecida como “defesa do peso corporal”, está entre os principais fatores que tornam a obesidade uma condição tão desafiadora. O corpo humano tende a defender um “ponto de ajuste” de peso, dificultando a perda e favorecendo o reganho após intervenções para emagrecimento. Essa adaptação metabólica, que persiste mesmo a longo prazo, complica ainda mais a manutenção do peso perdido, criando obstáculos adicionais para os pacientes e os profissionais de saúde.
A Importância de Reduções Modestas no Peso
Embora a cura definitiva da obesidade seja rara com os tratamentos clínicos atuais, há um consenso na literatura médica de que reduções de peso relativamente modestas, geralmente entre 5% e 10% do peso inicial, já oferecem benefícios significativos à saúde. Esses benefícios incluem:
- Melhor controle metabólico: redução da glicemia, melhora dos níveis de colesterol (aumento do HDL e redução do LDL), além de efeitos positivos na gordura hepática.
- Redução de riscos cardiovasculares: menor probabilidade de eventos como infarto e AVC.
- Melhorias físicas: redução de dores articulares, aumento da mobilidade e maior capacidade funcional.
- Impactos psicológicos e emocionais: melhora da autoestima, alívio de sintomas depressivos e elevação da qualidade de vida.
Diante desses benefícios, diretrizes médicas de diversas organizações internacionais recomendam que perdas de peso nessa faixa sejam adotadas como metas terapêuticas iniciais. Contudo, uma importante limitação dessas diretrizes é a ausência de uma abordagem que considere as perdas já alcançadas e mantidas ao longo do tempo, valorizando os esforços e reconhecendo os progressos individuais.
Limitações das Abordagens Baseadas no IMC
O Índice de Massa Corporal (IMC) é amplamente utilizado como ferramenta para avaliar o estado nutricional de uma pessoa e categorizar os níveis de obesidade. No entanto, essa métrica apresenta sérias limitações, especialmente em contextos clínicos:
- Falta de personalização: o IMC não leva em conta a composição corporal (proporção de gordura e músculo) ou a distribuição da gordura (subcutânea vs. visceral), fatores que têm impacto direto no risco à saúde.
- Avaliação simplista: apesar de útil em estudos populacionais, o IMC pode levar a interpretações erradas em indivíduos, subestimando ou superestimando os riscos associados ao peso.
- Ignorar mudanças ponderais: o IMC não considera a trajetória de peso de uma pessoa ao longo da vida, deixando de valorizar os benefícios de perdas de peso significativas que não alteram a categoria de IMC.
Essas limitações têm implicações práticas. Pacientes que perderam peso de forma significativa, mas permanecem em categorias de obesidade pelo IMC, podem continuar sendo classificados como “de alto risco”. Essa abordagem desconsidera os benefícios já alcançados, reforça o estigma e contribui para ciclos frustrantes de perda e reganho de peso, conhecidos como “efeito sanfona”.
A Nova Classificação Baseada no PMAV
Como resposta às limitações das abordagens tradicionais, o artigo propõe uma nova classificação de obesidade, que utiliza o Peso Máximo Alcançado na Vida (PMAV) como referência. Essa classificação categoriza os indivíduos com base na porcentagem de peso perdido em relação ao PMAV, dividindo-os em três grupos principais:
1. Inalterada: para indivíduos cujo peso permanece próximo ao PMAV. Quando o indivíduo apresenta uma perda de peso inferior a 5% do seu PMAV, para aqueles com IMC entre 30 e 40 kg/m², ou inferior a 10% do PMAV para aqueles com IMC entre 40 e 50 kg/m²
2. Reduzida: para aqueles que obtiveram uma perda de peso moderada. Quando o indivíduo alcança uma perda de peso entre 5% e 9,9% do seu PMAV, para aqueles com IMC entre 30 e 40 kg/m², ou entre 10% e 14,9% do PMAV para aqueles com IMC entre 40 e 50 kg/m².
3. Controlada: para indivíduos que alcançaram e mantiveram perdas significativas de peso. Quando o indivíduo atinge uma perda de peso igual ou superior a 10% do seu PMAV, para aqueles com IMC entre 30 e 40 kg/m², ou igual ou superior a 15% do PMAV para aqueles com IMC entre 40 e 50 kg/m².
Essa metodologia oferece diversas vantagens. Em primeiro lugar, reconhece que mesmo perdas de peso modestas podem gerar benefícios substanciais à saúde, independentemente de alterações na classificação de IMC. Além disso, ao destacar a trajetória de peso, promove uma avaliação mais centrada no progresso individual e incentiva a manutenção do peso reduzido.
Exemplo Prático
Considere um paciente com obesidade grau II (IMC entre 35 e 39,9 kg/m²) que perde 10% do peso corporal. Pelas classificações tradicionais baseadas no IMC, esse indivíduo permaneceria na mesma categoria de obesidade, sem reconhecimento dos esforços e benefícios alcançados. Pela nova classificação, no entanto, ele seria enquadrado como “obesidade controlada”, valorizando não apenas a perda de peso, mas também os impactos positivos na saúde.
Benefícios de Perdas de Peso Superiores a 10%
Além dos benefícios amplamente documentados para perdas de 5% a 10%, evidências indicam que reduções superiores a 10% podem proporcionar resultados ainda mais expressivos:
- Melhora significativa da esteatose hepática: perdas superiores a 10% têm impacto profundo na redução da gordura no fígado.
- Remissão do diabetes tipo 2: estudos mostram taxas de remissão que chegam a 86% para pacientes que perdem entre 10% e 15% do peso corporal.
- Redução do tecido adiposo visceral: perdas de 11% podem resultar em reduções de até 23% na gordura intra-abdominal.
- Aumento da expectativa de vida: estudos de longo prazo indicam que perdas de peso sustentadas podem aumentar a expectativa de vida em até 24 anos.
Esses dados reforçam que, embora desafiadoras, perdas de peso superiores a 10% devem ser consideradas em estratégias de tratamento, especialmente em casos selecionados.
Considerações Finais
A nova classificação proposta representa um marco na forma como a obesidade é compreendida e tratada. Ao deslocar o foco de métricas isoladas, como o IMC, para uma visão mais ampla que inclui o histórico de peso e os esforços individuais, essa abordagem oferece uma perspectiva mais humana e eficaz no manejo da obesidade.
Para que essa classificação alcance seu pleno potencial, é essencial validar cientificamente seus critérios e integrar a coleta do PMAV de forma sistemática na prática clínica. Além disso, estratégias educacionais voltadas para profissionais de saúde serão necessárias para disseminar a importância dessa abordagem inovadora.
Ao promover uma visão que valoriza a saúde e o progresso individual, essa proposta não apenas contribui para um tratamento mais personalizado, mas também reduz o estigma associado à obesidade, oferecendo esperança e suporte contínuo para pacientes em sua jornada de saúde.
Referência: Proposal of an obesity classification based on weight history: an official document by the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM) and the Brazilian Society for the Study of Obesity and Metabolic Syndrome (ABESO)
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Dr. Rodrigo Bomeny
Médico | Endocrinologista
Especialista em Obesidade | Diabetes | Terapia de Reposição Hormonal
CRM 129869 | RQE 60562
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