Hipotireoidismo: a importância da abordagem individualizada

O hipotireoidismo é uma condição crônica que afeta milhões de pessoas ao redor do mundo e exige tratamento contínuo e acompanhamento especializado. Embora o tratamento padrão com levotiroxina (LT4) funcione bem para muitos, alguns pacientes relatam sintomas persistentes, mesmo com níveis de TSH dentro do recomendado.

Nesta postagem, vou refletir sobre a importância e o impacto de uma abordagem de tratamento individualizada para o hipotireoidismo, compartilhando um relato de caso utilizado em um artigo científico e analisando as dificuldades enfrentadas por aqueles que precisam de uma terapia personalizada para melhorar os seus sintomas.

Relato de Caso: um longo caminho para a melhora dos sintomas

O artigo “Terapia Individualizada para Hipotireoidismo: T4 é Suficiente para Todos?” aborda a história de uma paciente diagnosticada com hipotireoidismo há 15 anos.

Ela consultou diversos médicos que prescreveram apenas levotiroxina, sem considerar a persistência de sintomas como depressão, ganho de peso e fadiga. Após várias tentativas, encontrou um médico que a ouviu e sugeriu uma terapia combinada de T4 e T3, o que resultou em:

  • Alívio da depressão: Melhora significativa nos sintomas após mais de uma década de desconforto.
  • Perda de peso: Perda de 13,5 kg sem grandes mudanças na dieta.
  • Melhora geral no bem-estar: Sensação de disposição e qualidade de vida, sem efeitos colaterais.

Esse caso reforça a importância de considerar a individualidade de cada paciente, indo além do TSH na avaliação da eficácia do tratamento.

A Evolução do Tratamento para Hipotireoidismo: De DTE ao LT4

O Tratamento com Extrato de Tireoide Dessecado (DTE)

Antes dos anos 1970, o tratamento com extrato de tireoide dessecado (DTE) era comum. Derivado de glândulas tireoidianas animais, o DTE continha tanto T4 quanto T3 e era ajustado com base na avaliação clínica e nos níveis de iodo ligado a proteínas. No entanto, a variação na concentração hormonal limitava a precisão do tratamento.

A Chegada da Levotiroxina (LT4) e o Padrão TSH

Com o desenvolvimento do ensaio de TSH nos anos 1970, a dosagem de levotiroxina (LT4) tornou-se mais precisa. Esse método permitiu aos médicos ajustar a reposição hormonal com base em um parâmetro confiável, normalizando o TSH e reduzindo os riscos de supertratamento.

Entretanto, essa padronização gerou um desafio: muitos pacientes com TSH normalizado ainda relatavam sintomas persistentes, levando à discussão sobre a eficácia do TSH como único indicador de bem-estar.

Impacto da Levotiroxina (LT4) no Metabolismo do T3

A LT4 é eficaz para normalizar o TSH, mas pode interferir na conversão do T4 em T3. Esse processo depende da enzima deiodinase tipo 2 (D2), que age em tecidos periféricos, como o fígado e os músculos. A D2 periférica degrada-se mais rapidamente em resposta ao T4 elevado, enquanto a D2 do hipotálamo é menos afetada, levando a:

  • Redução da taxa metabólica basal: Diminuição no metabolismo energético.
  • Aumento dos níveis de colesterol: Menor regulação pelo T3, impactando o metabolismo lipídico.
  • Persistência dos sintomas: Mesmo com TSH normal, pacientes podem continuar sentindo fadiga, ganho de peso e dificuldades de concentração.

Nem todos os pacientes são impactados por esses efeitos; alguns conseguem compensar as diferenças na proporção T3/T4 e respondem bem à LT4 isolada.

Fatores que Contribuem para Sintomas Persistentes com LT4

Influências Genéticas no Tratamento

Estudos apontam que variações genéticas podem influenciar a resposta à terapia com LT4. Alguns exemplos incluem:

  • Polimorfismo Thr92Ala-DIO2: Reduz a capacidade de conversão de T4 em T3, agravando sintomas de hipotireoidismo.
  • Polimorfismo MCT10 (rs17606253): Afeta o transporte de T3 e pode indicar uma preferência por terapia combinada.
  • Mutações no Gene DIO1: Envolvidas na conversão de T4 em T3, essas mutações podem reduzir ainda mais os níveis de T3.

Aspectos Imunológicos e Deficiências Nutricionais

A tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune, é uma das causas principais do hipotireoidismo e pode causar disfunções cognitivas. Outro fator comum é a deficiência de vitamina B12, que pode simular ou intensificar sintomas como fadiga e dificuldade de concentração.

Dificuldades na Avaliação de Sintomas Relacionados ao T3

Medições precisas de T3 representam um desafio, pois níveis sanguíneos não refletem necessariamente as concentrações em tecidos periféricos. Essa variabilidade dificulta a correlação entre níveis de T3 e sintomas, representando um obstáculo para o tratamento ideal.

Abordagem Individualizada no Tratamento do Hipotireoidismo

Para muitos pacientes, a monoterapia com levotiroxina (LT4) é eficaz no controle do hipotireoidismo. No entanto, alguns continuam a experimentar sintomas como fadiga, ganho de peso e dificuldades cognitivas, mesmo após a normalização dos níveis de TSH.

Nesses casos, a terapia combinada com LT4 e liotironina (LT3) tem sido explorada como uma alternativa promissora, oferecendo um manejo mais personalizado para aqueles que apresentam sintomas persistentes.

Terapia Combinada para Hipotireoidismo: Um Resumo Detalhado

A terapia combinada surgiu como uma possível solução para pacientes que não obtêm alívio completo dos sintomas apenas com LT4. A ideia central é que a suplementação direta de LT3 pode ajudar a compensar a conversão insuficiente de T4 em T3 no organismo, observada em alguns pacientes em monoterapia. Isso permite ajustar de maneira mais precisa os níveis de T3, abordando melhor as necessidades metabólicas e energéticas do corpo.

Evidências e Limitações

Pesquisas iniciais sugerem que a terapia combinada pode trazer benefícios psicológicos, especialmente em pacientes com o polimorfismo genético Thr92Ala-DIO2, que impacta a conversão do T4 em T3. Estudos também apontam melhorias em biomarcadores, como função cardíaca, taxa metabólica basal e atividade da creatinina fosfoquinase, ao equilibrar os níveis de T3 com LT3.

Contudo, as evidências ainda são são cristalinas, e muitos dos estudos existentes carecem de poder estatístico adequado para avaliar a eficácia da terapia combinada em grande escala. Além disso, as medições dos níveis de T3 muitas vezes são insuficientes, dificultando a análise precisa da relação entre níveis séricos de T3 e a persistência dos sintomas.

Devido a essas limitações, as diretrizes atuais, como as da American Thyroid Association e da European Thyroid Association, recomendam a monoterapia com LT4 como primeira linha de tratamento, considerando a terapia combinada apenas em casos específicos e sob rigoroso monitoramento médico.

Considerações sobre a Utilização da Terapia Combinada

Apesar dos potenciais benefícios, a terapia combinada requer cautela, especialmente em grupos como crianças, gestantes e idosos, onde a flutuação dos níveis de T3 pode trazer riscos adicionais.

A decisão de incluir LT3 na terapia deve ser individualizada, levando em conta o histórico médico, sintomas específicos, preferências pessoais e a presença de outras comorbidades.

Pontos Chave:

  • A terapia combinada com LT4 e LT3 visa aprimorar o tratamento em pacientes que não respondem completamente à monoterapia.
  • A individualização do tratamento é essencial, e o monitoramento médico contínuo é crucial para garantir segurança e eficácia.
  • A monoterapia com LT4 permanece a primeira linha de tratamento para o hipotireoidismo, com a terapia combinada considerada em situações específicas – principalmente em pacientes que permanecem sintomáticos a despeito do tratamento com levotiroxina (T4) e normalização do TSH.

 

Referência: Individualized Therapy for Hypothyroidism: Is T4 Enough for Everyone? JCEM, 2020

 

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Dr. Rodrigo Bomeny

Médico | Endocrinologista

Especialista em Obesidade | Diabetes | Terapia de Reposição Hormonal

CRM 129869 | RQE 60562

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